A Polícia Judiciária (PJ) portuguesa e procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) arregaçaram as mangas e deram início a buscas em dependências do Novo Banco (ex-BES) e em residências particulares pertencentes a altos dignitários do regime angolano, ou a gente das suas relações. Como mais tarde se verificará, e a exemplo de casos recentes, a montanha irá parir um rato, a bem das nações envolvidas – Portugal e Angola.
A PJ, embora parca em informações (compreensíveis à luz de que o segredo é a alma das investigações), disse ao Folha 8 que as acções levadas a cabo têm por base indícios “fortes” de crimes de branqueamento de capitais, sendo que o principal suspeito (“não único”) é o general Bento dos Santos “Kangamba”.
Outras fontes indicam que nesse “elaborado esquema de branqueamento que há bastante tempo estava sob atenção das autoridades portuguesas”, o general e sobrinho do Presidente José Eduardo dos Santos tinha no BES uma das suas lavandarias preferidas. Embora, por enquanto, o agora Novo Banco seja considerado (por desconhecimento) inocente até prova em contrário, os investigadores acreditam que o BES Angola era o epicentro de toda essa trama.
As buscas domiciliárias decorreram em habitações que são propriedade do general e dos seus familiares que residem em Portugal, mas admite-se que seja inexequível encontrar provas porque – tanto quanto parece – Kangamba terá há vários meses feito “transferências de arquivos”, nomeadamente para Espanha.
A Procuradoria-Geral da República portuguesa esclareceu que as buscas decorrem no âmbito de investigações do DCIAP que não estão relacionadas com o “universo Espírito Santo”. Não estão relacionadas, admite-se, enquanto conhecedores dos eventuais crimes, mas podem ter em seu poder matéria que indicie, ou prove, possíveis crimes do cliente, no caso o general Kangamba.
Bento dos Santos Kangamba é casado com uma filha de Avelino dos Santos, irmão de José Eduardo dos Santos, é dirigente do MPLA, para além de ser uma figura umbilicalmente ligada ao general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.
O general Kangamba é, aliás, figura assídua e protagonista de todo o género de investigações policiais, sobretudo no estrangeiro visto que em Angola goza de completa e total impunidade. Recorde-se, por exemplo, que há um ano a polícia brasileira desmantelou uma rede de tráfico de mulheres para a prostituição na África do Sul, Portugal, Angola e Áustria, apontando como cabecilha da rede exactamente este sobrinho do Presidente da República. A Interpol chegou mesmo a emitir um mandato de captura internacional contra o general Kangamba.
Numa estratégia conhecida e repetida até à exaustão sempre que aparece alguma investigação internacional sobre branqueamento de capitais ou corrupção, sobretudo envolvendo elementos ligados ao Presidente de Angola, na altura Kangamba disse à Angola Press (agência de propaganda do regime), que “facilmente se depreende, pelo teor das notícias, que a intenção de citar o seu nome visa atingir e caluniar outras personalidades do Estado angolano”. Referia-se ao tio.
Bento dos Santos Kangamba é presidente do Kabuscorp Futebol Clube do Palanca e um dos principais patrocinadores do Vitória de Guimarães (Portugal).
O jornal Estado de São Paulo, escreveu sobre a denominada “Operação Garina”, que “o general é dirigente do MPLA, o mesmo partido do Presidente, e tem influência no Governo por meio de sua mulher, uma filha de Avelino dos Santos, irmão do Presidente”.
Em Junho de 2013, Kangamba foi também notícia internacional por alegado envolvimento numa investigação em curso, em França, sobre a posse de elevadas quantias de dinheiro não declarado. Nessa altura soube-se que comprara uma casa no luxuoso condomínio de Espanha, La Finca, onde também moram futebolistas como Cristiano Ronaldo, Káká, Benzema, Iker Casillas; os actores Javier Bardem, Penélope Cruz e Paz Vega, assim como o cantor Alejandro Sanz.
Dizia na altura o diário espanhol “El Confidencial” que o condomínio ultra-privado de La Finca tem vários lagos artificiais e é, como aliás convém, “um dos bunkers mais glamorosos e selectos jamais sonhados” e onde, no âmbito de ser “o espaço onde se podem encontrar mais celebridades e fortunas por metro quadrado”, não destoaria um ou bem mais generais presidenciais do reino angolano.
Em áreas verdes, a urbanização tem um total de 844.100 metros quadrados. “El Confidencial” descreve La Finca, como o maior provedor de privacidade no país, para “figuras, tanto públicas como desconhecidas, de marcado poder aquisitivo”. Com detectores infravermelhos, o condomínio “é uma autêntica jaula de ouro, sobre a qual se sabe ou conhece pouco, ou muito pouco”, refere a publicação.
Em Lisboa, o general Bento Kangamba adquiriu uma penthouse de luxo, por cerca de dois milhões de euros, em nome do seu sogro, Avelino dos Santos. O apartamento está localizado na urbanização Jardins do Cristo-Rei, em Moscavide, a poucos minutos da zona da Expo. Na referida urbanização têm também apartamentos o governador do Kwanza-Sul, general Eusébio Teixeira de Brito, o general Arnaldo Antas e mais algumas figuras do regime.
Na altura, a polícia alfandegária francesa apreendeu perto de três milhões de euros no porta-bagagens de dois Mercedes de matrícula portuguesa, e deteve cinco indivíduos, de nacionalidade portuguesa, angolana e cabo-verdiana, acusados de branqueamento de capitais e crime organizado, segundo o jornal La Provence.
O general Bento Kangamba é igualmente uma figura mediática em Angola. Como secretário do comité provincial do MPLA de Luanda para a periferia, disse – por exemplo – que “as faculdades estão a ser construídas para os jovens estudarem e não para fazerem política, nem criticarem o governo. A política faz-se nos comités e nas zonas urbanas onde estão os partidos”. Percebe-se, por isso, quanto útil é ao clã presidencial.